CONTABILIDADE PÚBLICA NO AMBIENTE BRASILEIRO

Prof. Milton Mendes Botelho

Passei trinta nos da minha vida dedicada a Administração Pública Municipal, atuando quase que exclusivamente a Contabilidade, seja, como Contador, como Professor ou como Auditor. Não existe ambiente onde o errado prolifera tão rápido como os métodos de registros contábeis no ente federado Município. Os balanços da grande maioria dos Municípios Brasileiros não refletem de longe a sua realidade patrimonial e econômica. Nesse cenário caótico de informações confiáveis, dificilmente eu teria o reconhecimento que um die sonhei.
Na Contabilidade Pública tivemos momentos em que as coisas estiveram praticamente paradas. Levaram quase vinte anos a editarem novas regras contábeis. Mesmo assim, quando editadas, eram mais sobre o controle orçamentário do que propriamente procedimentos de contabilidade pública.
Desta forma para o Brasil entrar em uma disputa mundial para angariar investimentos em 1994 implantou-se o Plano Real para que em dez anos a inflação estivesse estabilizada em 4,5%. Fato que foi consolidado até o ano 2000. Então a meta era outra, aumentar as reservas e tornar o Brasil atraente para investimentos com inflação controlada e reservas superavitárias em relação à dívida externa.
A partir do ano 2000, com edição da Lei de Responsabilidade Fiscal e a implementação dos sistemas (aplicativos), iniciaram-se os estudos de implantação das normas contábeis no padrão internacional. A partir de 2007 iniciou-se uma grande campanha de divulgação do Brasil para o mundo dos investidores. O País tinha inflação controlada e reserva superior ao montante da dívida externa. Noticiamos o pré-sal, com as reservas brasileiras comprovadas, que eram de 14 bilhões de barris, aumentaram para 33 bilhões de barris. Além destas, existem reservas possíveis e prováveis de 50 a 100 bilhões de barris. Para um mundo sedento de energia, isso é uma notícia palatável.
Sendo assim, inicia-se um processo de divulgação de investimentos na construção de 29 novas hidrelétricas (dentre elas: Usina de Jirau (RO) e Usina de Belo Monte (PA)), conclusão da usina nuclear angra 3, reforma e ampliação de 13 aeroportos, construção da ferrovia norte-sul (Palmas – TO a Bárbara d’Oeste-SP) e ferrovia transcontinental para cruzar a Amazônia ligando os Atlântico ao Pacífico, conversão e ampliação da refinaria presidente Getúlio Vargas (PR), construção do complexo petroquímico do Rio de Janeiro, construção da refinaria Abreu e Lima (PE) e refinaria Premium I (MA). Isso tudo junto com o direito de sediar a copa do mundo (2014) e as olimpíadas do Rio de Janeiro (2016).
Entretanto, o Brasil ainda não tinha adotado padrões internacionais de Contabilidade. Em 2008, iniciaram-se as mudanças com a definição dos Procedimentos Contábeis, IPSAS, PCASP, MCASP, DCASP e outras normas editadas pelo Tesouro Nacional e o Conselho Federal de Contabilidade. O Brasil passava por um momento de expectativa de crescimento espetacular, então, era necessária a implantação das IPSAS, que são as normas internacionais, em níveis globais, de alta qualidade para a preparação de demonstrações contábeis por entidades do Setor Público. Então estávamos prontos para receber os investimentos mundiais e nos tornarmos um País desenvolvido.
Antes desse período e dessa turbulência de mudanças, muitos profissionais da Contabilidade se sentiam seguros, porque tudo permanecia igual por muito tempo. Eram mudanças gradativas de procedimentos simples, sem obrigá-los a estudarem novos conceitos de patrimônio, provisionamento, depreciação, ajustes, ativo, passivo, PL e outras demonstrações. Então, surgiu esse cenário, complexo, sem controle, imprevisível, rápido e instável, que assusta, mas é inevitável para a concretização das mudanças que estão acontecendo na administração pública brasileira. Tudo isso em nome do desenvolvimento e da transparência pública.
O profissional da contabilidade para lidar com a nova realidade, com este novo ambiente e com o cidadão virtualizado, antes de qualquer coisa deverá ser uma pessoa conectada, bem informada e crítico. Muitos acreditam em milagres, que de uma hora para outra surgirá um evento que esclarecerá tudo e ele conseguirá acompanhar essa evolução. Outros profissionais chegam à conclusão que não dão conta desta velocidade, inovação e transparência toda e desistem. Como consolo, buscam culpados, neste caso a crise lhe parece mais apropriada e ainda julgar o governo como inoperante e despreparado, apoiando inclusive uma cassação de mandato.
Para aceitar as mudanças é preciso fazer parte delas. Do jeito que era feito no passado a Contabilidade não deu certo, por mais que os Tribunais aprovavam as contas elas não demonstravam a realidade dos órgãos públicos. Os resultados não eram confiáveis e de um nível de qualidade péssimo. Por isso, começaram a surgir as criticas e as provocações às instituições responsáveis pela publicação das normas contábeis.
Criou-se uma nova oportunidade da Contabilidade ser utilizada como ciência, fazer cumprir seus princípios e seus métodos. Para que isso acontecesse foi preciso valorizar o conhecimento, mudar o indivíduo executor de débito e crédito e mantê-lo conectado em rede, como analista de informações contábeis. O fechamento das contas ganhou novas explicações e transparência através das notas explicativas integrando as informações contábeis. Ainda não concluímos todo o processo. Estamos em período de transição e formação de entendimentos. Talvez, somos aqueles cientistas que testam suas descobertas em si mesmo. Muitos descobrem no futuro que suas teorias estavam erradas, outros usam suas experiências como base para agregar novas descobertas. Não existe, futuro igual ao passado, os ambientes mudaram, as regras mudaram, temos que nos atualizar, evoluir e aprender. Sentir a mudança sem medo e sem desespero, somos capazes de nos adaptar, sempre foi assim, sem querer assustar ninguém.
Todavia, a corrupção e o amadorismo na gestão governamental, tiraram do Brasil uma das melhores oportunidades de crescimento econômico. Patinamos e deslizamos nas curvas da estrada da ganância e do aprendizado. Mostramos ao mundo a nossa capacidade de instituir tributos (com uma das maiores cargas tributárias do mundo) e ao mesmo tempo de desviá-los através de esquemas de empreiteiras. Estamos desestruturados como instituições públicas inseguras quanto à capacidade de gerar serviços públicos de qualidade nas áreas de saúde, educação, segurança públicas e tantas outras.
Devemos ter consciência que buscamos coisas maiores. Mas, neste momento em que as mudanças são velozes e virtuais, a cooperação e a parceria tornaram-se mais importantes. Esse é o futuro, com pessoas bem informadas, mais críticas e participativas. Nesse ambiente não haverá espaço para mais erros e nem pessoas despreparadas para atuar dentro de um contexto ético.